O FIM DA EVOLUÇÃO HUMANA
A história evolutiva da espécie humana, com sua vasta galeria de antepassados, pode estar chegando ao fim.
Artigo: Ian Tattersall
Para o paleoantropólogo britânico Ian Tattersall, a
história evolutiva da espécie humana, com sua vasta galeria de
antepassados, pode estar chegando ao fim. Por Giovanni Spataro
A
evolução humana é hoje um dos principais temas dos debates científicos.
Novas descobertas estão desafiando conhecimentos estabelecidos.
Considere, por exemplo, o hominídeo de Flores - um verdadeiro ponto de
interrogação em nossa história evolutiva. Mas o mérito cabe também a
cientistas como Ian Tattersall, autoridade no campo da paleoantropologia
e entusiasmado divulgador da evolução e de tudo que gira em torno do
tema. Prova disso é o que aconteceu no Teatro Palladium, em Roma. Depois
de uma hora de entrevista para a Radio 3 Scienza, Tattersall conversou
com os estudantes que assistiram ao programa. Rodeado por jovens cheios
de perguntas, divertiu-se com tanta curiosidade e ímpeto e não
economizou nas respostas.
Scientific American: A
paleoantropologia costuma ser considerada uma ciência estática, um campo
de pesquisa em que é difícil fazer descobertas. Isso corresponde à
situação atual?
Ian Tattersall: Jamais houve um período
tão empolgante na paleontologia humana como o que vivemos hoje. Não só
dispomos de mais fósseis do que antigamente como temos novas técnicas
para analisar os dados.
Sciam: As fontes de informação são muito diversas, vão desde a genética até a anatomia. Como usar os dados disponíveis?
Tattersall:
É justamente esse o desafio. Há estudos que fornecem vários tipos de
informação, e o problema futuro será integrá-los. As hipóteses
evolutivas baseadas em dados morfológicos não estão de acordo com as
baseadas em dados genéticos, ainda que, em geral, as informações
provenientes dos dois campos - a paleoantropologia física e a genética -
tendam a se reforçar mutuamente.
Sciam: Com dados mais
bem integrados, é possível que o número de antepassados humanos diminua?
Particularmente a espécie dos hominídeos?
Tattersall:
Não creio. A tendência geral é reconhecer não só mais espécies, mas
também mais gêneros. Somos hoje a única espécie de hominídeos na Terra e
projetamos essa situação para o passado. Mas com as diferentes técnicas
e o número cada vez maior de fósseis disponíveis, descobrimos que
existe - e existia no passado - uma grande diversidade. Em suma, a
história da espécie humana é marcada pela luta contínua entre diversas
espécies de hominídeos. Há muitas hipóteses a respeito de quantas
espécies teriam existido. Minha opinião é de cerca de 20 nos últimos 6
milhões de anos.
Sciam: O Homo floresiensis faz parte desse grupo? Ainda se debate se devemos ou não considerá-lo nosso antepassado.
Tattersall:
Não creio que alguém defenda que o hominídeo de Flores deva ser
catalogado entre nossos antepassados. Na gruta onde foi descoberto o
crânio do primeiro H. floresiensis foi encontrado recentemente o maxilar
de um segundo indivíduo da mesma espécie. Isso nos leva a pensar que se
trata, provavelmente, de uma população local com alguma doença A única
alternativa é considerar que o hominídeo de Flores seja o representante
de uma espécie que não conhecíamos, mas não há razões convincentes para
incluí-lo no gênero Homo. Mas se for, de fato, uma espécie de hominídeo,
sua ligação conosco é extremamente remota. Nesse caso, o hominídeo de
Flores representaria um dos descendentes dos primeiros hominídeos que
emigraram da África, em vez de uma forma degenerada de Homo erectus,
como se acreditou logo após sua descoberta.
Sciam:
Falemos do presente. As pesquisas em paleontologia são úteis para
cientistas sociais e estudiosos que criticam outras abordagens da
evolução social de nossa espécie? Refiro-me à sociobiologia, segundo a
qual há uma relação direta entre genes e comportamento.
Tattersall:
A sociobiologia é uma abordagem válida quando aplicada a sistemas como
os insetos sociais, mas não funciona no caso de realidades muito
complexas do ponto de vista cognitivo, como o Homo sapiens. Além disso, a
sociobiologia implica uma visão dos processos evolutivos estreitamente
ligada à seleção natural, e não creio que sua influência seja tão
grande quanto a que lhe costumam atribuir. Se levarmos em conta uma
característica por vez, por exemplo a expansão do volume do cérebro,
então é possível pensar que a seleção tenha um papel no processo
evolutivo. Mas os genomas são estruturas extremamente complexas, e a
única coisa que a seleção natural pode fazer é determinar o êxito de um
indivíduo, não o tamanho de seu cérebro.
Sciam: Nos
últimos anos foram publicadas diversas pesquisas que evidenciam mutações
recentes e seleção dos genes que compõem o DNA humano. Nossa espécie
ainda está evoluindo?
Tattersall: Se considerarmos os
genes isoladamente, a resposta é afirmativa: podemos registrar mudanças
no patrimônio genético humano. Mas não creio que sejam mudanças
importantes do ponto de vista evolutivo. Trata-se de flutuações que
surgem ciclicamente em todas as espécies. Para ser verdadeiramente nova,
uma mutação deve ocorrer em populações formadas por poucos indivíduos.
Do ponto de vista genético, apenas as populações pequenas são
suficientemente instáveis para originar alguma característica evolutiva
nova. Hoje a população humana está muito interconectada, e é cada vez
mais fácil os indivíduos se deslocarem. Estão ausentes as condições
necessárias para o surgimento de mudanças significativas do ponto de
vista evolutivo.
Sciam: Isso quer dizer que a globalização prejudica a evolução da espécie humana?
Tattersall: A globalização é um processo de modernização, mas certamente não encoraja a inovação evolutiva.
Sciam: E para outras espécies, é possível observar sua evolução e estudá-la com novos meios?
Tattersall:
Teoricamente sim. Ao se tornar uma espécie cada vez mais difusa em
todas as partes do planeta, o Homo sapiens está fragmentando o hábitat
de outros seres vivos. Assim, está criando as condições para inovações
evolutivas. Possivelmente presenciaremos a evolução de outras espécies
no futuro. Se esses fenômenos vão ocorrer ou não em escala temporal que
permita a observação
QUEM É
Ian Tattersall nasceu na Inglaterra em 1945 e cresceu na África oriental.
Estudou
arqueologia e antropologia na Universidade de Cambridge e geologia e
paleontologia de vertebrados na Universidade Yale, onde obteve, em 1971,
o doutorado em geologia e geofísica.
Publicou mais de 200 artigos
científicos e diversos livros de divulgação, entre eles Becoming human:
evolution and human uniqueness (1999) e The human odyssey: four
million years of human evolution (2001).
Coordena a Divisão de Antropologia do Museu Americano de História Natural de Nova York.
Fonte: Scientific American Brasil